Pagar todos os streamings ficou inviável? Clientes reclamam de preços e recorrem à pirataria
Não tem sido fácil a vida de quem gosta de maratonar séries e filmes de vários serviços diferentes de streaming. Enquanto em 2011 a Netflix reinava sozinha no setor e cobrava R$ 15/mês, em 2024 a média dos valores dos serviços fica em R$ 34/mês, levando em consideração somente os planos mais baratos.
Levantamento realizado pelo TecMundo mostra que atualmente, se alguém quiser assinar os planos mais básicos das principais plataformas de séries, filmes, novelas e documentários terá que desembolsar quase R$ 170 mensais (contando Netflix, Prime Video, Globoplay, Disney Plus e Max).
O valor fica acima da assinatura de TV a cabo mais barata encontrada pelo site Anatel Busca Ofertas, em São Paulo, por exemplo. De acordo com o site recém-lançado, os paulistanos conseguem assinar TV a cabo por valores a partir de R$ 120.
Confira, a seguir, o salto histórico de preços das principais plataformas de streaming considerando o ano em que elas chegaram no Brasil até junho de 2024:
- Netflix: de R$ 15/mês (em 2011) para R$ 20,90/mês (em 2024);
- Max: de R$ 19,90/mês (em 2021) para R$ 29,90/mês (em 2024);
- Prime Video*: de cerca de R$ 10 na época nos seis primeiros meses e R$ 20 a partir do sétimo mês (2016) para R$ 19,90/mês (2024);
- Disney Plus: de R$ 27,90/mês (2020) para R$ 43,90 (2024);
- Star+**: de R$ 32,90/mês (2021) para R$ 43,90 (2024);
- Globoplay: de R$ 12,90/mês (2015) para R$ 54,90 (2024).
*Vale ressaltar que em 2016 o Prime Video cobrava em dólares, por isso o valor é aproximado de acordo com a cotação da época. Além disso, o serviço possui um valor agregado muito diferente dos outros, já que a assinatura também entrega frete grátis na Amazon, ebooks grátis, jogos na Twitch e mais.
**O Star+ chegará ao fim no Brasil em 26 de junho, quando ele se juntará ao Disney Plus.
Torrent como solução
Com os valores praticados pelos streamings, se manter em dia com todas as suas séries preferidas se tornou uma tarefa cara. Com cada plataforma de streaming tendo seu apelo próprio, os consumidores brasileiros estão cada vez mais tendo que optar por assinar de maneira fixa um ou dois serviços e trocando de acordo com as novidades.
Uma profissional de Relações Públicas que conversou com o TecMundo, e preferiu não se identificar por consumir pirataria, conta que tem pensado em cancelar o Prime Video após o aumento de março.
“O Prime Video é um dos serviços de streaming com valores mais baixos, mas não sei até que ponto o catálogo de filmes e séries compensa manter a assinatura”, afirma.
Ela lembra que a plataforma ainda tem assinaturas dentro da própria assinatura e, portanto, algumas produções só podem ser acessadas mediante mais um pagamento. “Eu assino justamente para ter esses conteúdos, então por que direcionar para outros?”, questiona.
Para “driblar” esta questão e a impossibilidade de acessar a biblioteca de outros serviços, ela confessa recorrer a downloads. A jovem diz que às vezes é complicado encontrar algumas produções, mas que sempre é possível dar um “jeitinho”.
“Através dele [torrent], acabo tendo acesso a diversos conteúdos de vários serviços de streaming, além de materiais que não estão em nenhuma plataforma ou disponíveis para o Brasil”, argumenta.
A gota d’água com a Netflix
Um analista de Infraestrutura também revela que nem considerou muito e resolveu cancelar de vez a Netflix. Ele diz que a “gota d’água” foi a decisão da plataforma de cobrar pelo compartilhamento de contas para pessoas que não moram na mesma casa que o assinante.
“Eu cancelei e minha mãe acabou contratando o plano mais básico. Mas eu não acho justo o valor cobrado principalmente pelo fato de ter propaganda e não ser em Full HD”, declara.
Atualmente, ele diz considerar que vale mais a pena contratar serviços como Prime Video e Max, levando em consideração preço e catálogo. Sobre a “locadora vermelha”, o analista diz que no máximo vai assinar por um mês para terminar as duas ou três séries que ele tem interesse.
Ele também é usuário confesso de torrent e um outro site que só é possível ter acesso por convite.
“Não assino nenhuma plataforma”
A produtora Vitória Lima conta à reportagem que há cerca de 7 anos não assina nenhuma plataforma de streaming.
“[Eu] não acho justos os valores cobrados, pois não há tantas boas opções de conteúdos disponíveis. Frequentemente, filmes superfamosos e clássicos não se encontram nos catálogos. Alguns para se ter acesso precisam pagar taxas extras, o que para mim, não faz sentido”, argumenta.
Ela responde que quando quer assistir alguma produção e em específico acaba recorrendo a sistemas como o Stremio ou contas de familiares e do namorado.
A jovem também reclama da Netflix, dizendo que a empresa “caiu no ostracismo”. A jovem afirma que a marca investiu muito em títulos originais, sendo que poucos são realmente bons, e que muitas produções que ela considera boas ficam pouco tempo no catálogo ou simplesmente nem são lançadas.
“Netflix é sempre a primeira plataforma que uso como pesquisa, mas nunca tem nada. Globoplay tem sido uma boa surpresa com as produções nacionais, fugindo do estereótipo de produções apenas para TV e investindo mais em conteúdos que se aproximam mais esteticamente do cinema”, finaliza.
Quais os desafios das plataformas de streaming no Brasil?
Se pelo lado dos clientes o preço das assinaturas tem pesado – principalmente levando em consideração o momento econômico pós-pandêmico –, pelo lado das plataformas de streaming há uma série de desafios para tentar se manter relevante no mercado brasileiro.
Ivan Vitório, gerente de insights da Parrot Analytics, empresa multinacional especializada em análise de audiências, explica ao TecMundo que a principal “pedra no sapato” das marcas é o aumento do cancelamento de assinaturas.
Na verdade, parte importante do público tem adotado um comportamento chamado de “serial-churner”. “As pessoas assinam uma plataforma, consomem o conteúdo que querem e depois cancelam rapidamente. Isso tem um impacto significativo nos custos de aquisição ou reconquista de clientes”, salienta.
O especialista comenta ainda outros fatores que dificultam a operação das companhias de streaming no Brasil, como limitações de infraestrutura (incluindo internet) e a renda média das famílias, que é menor que a de outros países. Este segundo fator acaba justificando outro como a permanente força da TV aberta, por exemplo.
Por último, Vitório afirma que o aumento do número de players que oferecem serviços de streaming é outro fator importante que explica o cenário.
“Há duas décadas, eram exibidas cerca de 80 séries nos Estados Unidos anualmente, um número que saltou para impressionantes 600 séries no ano passado ano. Com a proliferação de plataformas e a fragmentação cada vez maior do conteúdo, os consumidores podem sentir-se sobrecarregados e enfrentar dificuldades para escolher entre as diversas opções de entretenimento”, argumenta.
Problemas técnicos também afastam consumidores
Se os travamentos e delays já incomodam em transmissões gravadas, em exibições ao vivo os problemas podem causar ainda mais chateação para os consumidores. Bruno Abreu, co-fundador e CEO da Sofist, empresa especializada em qualidade de software, explica que aspectos técnicos da transmissão e até da interface dos apps têm sido levados em consideração pelos clientes na hora de escolher.
“Com a grande oferta de serviços, a percepção do usuário também evolui, o tornando mais empoderado e exigente. Ninguém quer ligar sua TV ou acessar seu smartphone e não conseguir navegar para selecionar sua série favorita. Eu costumo dizer que o mundo hoje não oferece muitas segundas chances. Então, se um usuário se frustra com um streaming, é bem provável que ele troque de serviço”, defende.
Abreu pontua que muitos streamings têm problemas até mesmo na parte de pagamentos e oferecem mensagens genéricas a um cliente que não está conseguindo renovar o pagamento no cartão de crédito.
E além da popularidade por conta dos filmes, séries, documentários e novelas, os serviços de streaming estão “abocanhando fatias” até mesmo do setor esportivo. O Prime Video no Brasil transmite a Copa do Brasil e a Max exibe o Campeonato Paulista, além de todo o catálogo de eventos da ESPN, por exemplo.
Apesar de bastante populares, as exibições ao vivo são bastante criticadas principalmente por conta do delay. O especialista afirma que diferente das televisões e rádios, onde os sinais são transmitidos por satélites, os streamings dependem de fatores como servidores e ainda da velocidade e qualidade da internet do usuário.
“Existem estratégias que podem proporcionar uma melhor experiência do usuário nessas situações, como entregar pequenas partes de um conteúdo. É melhor que um vídeo se inicie um pouco pixelado do que deixar o usuário esperando 30 segundos no sofá. De qualquer forma, quando o jogo do seu time estiver sendo transmitido simultaneamente no streaming e na TV, escolha a segunda opção caso não queira ouvir seu vizinho gritando gol antes de você”, brinca.
Com os aumentos de preços, a pirataria tem aumentado no Brasil?
O TecMundo entrou em contato com a Anatel para verificar se todos os desafios citados pela reportagem têm se refletido em um aumento na pirataria. De maneira bem direta, a agência afirmou em nota que não há dados que comprovem uma correlação entre aumento nos preços dos streamings e aumento da pirataria.
A instituição reconheceu que o mercado de TV por assinatura e streaming se encontram em um momento importante de transformação, mas defendeu que o país tem boas ferramentas de combate à pirataria.
No caso das TV Boxes irregulares, por exemplo, a Anatel avaliou em estimativa que há de 5 a 7 milhões destes equipamentos ilegais no Brasil.
“Nesse sentido, em 2023, a Anatel promoveu mais de 50 operações de bloqueio de acesso aos servidores que habilitam a operação de diferentes marcas, modelos e tecnologias de TV Box, tendo atuado em mais de 4000 meios de acesso a tais servidores”, informou.
No ano passado, a agência de telecomunicações ainda apreendeu mais de 1,6 milhão de equipamentos TV Boxes [piratas]. De acordo com a instituição, o balanço das ações de 2023 foi positivo.
Para 2024, a Anatel prometeu realizar um combate ainda mais intenso em relação ao uso de TV Boxes piratas, que são “equipamentos cujo fornecedores não se comprometem com legalidade, qualidade, segurança física e de dados dos usuários”.